Ter um filho é, para muitos, a experiência mais transformadora da vida. É o nascimento não apenas de uma nova pessoa, mas também de novos papéis, novas esperanças e, inevitavelmente, novas responsabilidades. Entre elas, está o custo material e emocional que acompanha essa jornada. Neste artigo, propomos mais que uma conta matemática: propomos um convite à consciência crítica sobre o que significa criar uma criança em um mundo de desigualdades, consumo e afetos.

O Custo Invisível: O Início da Jornada

Antes mesmo do nascimento, o filho já ocupa espaço no imaginário da família. O pré-natal, as consultas médicas, os exames, a preparação do quarto, a compra de roupas, fraldas, berço, carrinho… Tudo isso gera custos reais. Mas há um custo que não entra nas planilhas: o da transformação subjetiva. Quando uma mulher engravida, ela se torna, a partir daquele momento, também um corpo social – alvo de julgamentos, cobranças e intervenções. E esse custo emocional, invisível, é imensurável.

Para além disso, muitas vezes a chegada de um filho impõe renúncias profissionais, especialmente para as mães, num país em que a divisão sexual do trabalho ainda é gritante. Portanto, o custo de um filho começa antes do nascimento e se estende para além do financeiro.

O Custo Financeiro: Um Panorama Realista

Vamos começar com os números. Embora eles não contem toda a história, ajudam a visualizar uma realidade material inegável.

Estimativas do Custo até os 18 Anos no Brasil

Classe SocialCusto Total (0 a 18 anos)Média Mensal
BaixaR$ 100.000 a R$ 250.000R$ 460 a R$ 1.150
MédiaR$ 400.000 a R$ 700.000R$ 1.850 a R$ 3.240
AltaAcima de R$ 1.200.000R$ 5.550 ou mais

Esses valores incluem:

  • Alimentação
  • Moradia (parte proporcional do aluguel, luz, água, etc.)
  • Educação (escola, materiais, transporte escolar)
  • Saúde (convênios, consultas, remédios)
  • Lazer e cultura
  • Roupas, calçados, brinquedos
  • Seguros, poupança, plano de previdência (quando aplicável)

Essas cifras, no entanto, precisam ser lidas com uma lente crítica. Afinal, elas representam médias de consumo dentro de um modelo de sociedade que tende a responsabilizar o indivíduo pelas condições estruturais que não foram criadas por ele.

Educação: Direito ou Produto?

A educação de um filho pode ser gratuita – pela escola pública – ou extremamente cara, caso se opte por colégios privados, cursinhos e intercâmbios. Mas o mais importante aqui não é o preço da mensalidade. É a reflexão sobre o acesso equitativo à educação de qualidade.

Quando famílias de baixa renda precisam recorrer a escolas públicas sucateadas, não é apenas uma diferença financeira que está em jogo – é uma diferença de oportunidades. E esse é um dos maiores custos que a sociedade impõe àqueles que menos têm. O custo de criar um filho em uma comunidade vulnerável é agravado pelo Estado ausente, pela segurança precária, pelo transporte difícil, pela alimentação escolar insuficiente.

Educar um filho, portanto, exige mais que dinheiro: exige uma estrutura coletiva de apoio. Onde ela falta, o custo humano se amplia.

Saúde: O Preço da Precariedade

No papel, o Brasil oferece saúde gratuita e universal. Na prática, muitas famílias precisam pagar consultas particulares ou planos de saúde, principalmente nas grandes cidades. Fraldas, vacinas (nem todas são fornecidas pelo SUS), consultas pediátricas, dentista, ortodontia, oftalmologia: a lista é extensa.

Além disso, mães que não conseguem amamentar precisam recorrer a fórmulas infantis, que têm custo elevado e geram mais despesas nos primeiros anos.

A negligência histórica do sistema público de saúde é um peso que recai sobre os ombros das famílias. Em especial, sobre mães solo, que já enfrentam jornadas duplas ou triplas.

Tempo: O Custo que Não Volta

Criar um filho exige tempo. E o tempo, num sistema capitalista, é medido como recurso produtivo. A conta é clara: quanto mais tempo você dedica ao cuidado, menos tempo sobra para gerar renda. E, geralmente, é a mulher quem paga esse preço.

Muitas mães precisam parar de trabalhar ou aceitar empregos informais, precários, mal remunerados, para cuidar dos filhos. A ausência de creches públicas de qualidade aumenta esse abismo. O tempo dedicado ao cuidado – invisível nas planilhas do PIB – é um custo gigantesco que afeta diretamente o bem-estar da mulher e a economia da família.

Custo Psicológico e Emocional

Criar um filho não é apenas alimentar, vestir e educar. É estar presente emocionalmente. É construir um vínculo que dê segurança e afeto. E isso, muitas vezes, exige suporte psicológico que muitas famílias não têm acesso.

A pressão para ser o “pai perfeito” ou a “mãe ideal” cobra um preço. Especialmente em um mundo digital onde as redes sociais mostram apenas recortes irreais da maternidade.

A ausência de redes de apoio, o isolamento, a sobrecarga emocional e o medo do futuro são custos silenciosos que adoecem pais e mães – e que impactam diretamente o desenvolvimento emocional dos filhos.

O Preço da Desigualdade

Criar um filho em uma favela não é o mesmo que criá-lo em um bairro de classe alta. A diferença não está apenas no valor dos brinquedos ou da escola. Está na expectativa de vida, na exposição à violência, na falta de saneamento básico, na qualidade do ar, no acesso à cultura e à arte, nas oportunidades de trabalho futuro.

Portanto, o custo de ter um filho é diretamente proporcional ao nível de desigualdade social que o país aceita manter. E essa é uma conta que não pode ser naturalizada.

E o Amor? Quanto Custa?

Há quem diga: “mas amor não tem preço”. De fato, não tem. Mas o amor também precisa de tempo, de estabilidade, de presença. Amor não é uma abstração. É uma construção cotidiana. E é muito mais fácil construir essa base afetiva quando se tem uma rede de proteção social.

Quando o básico falta – comida, moradia, saúde, educação –, o amor é posto à prova. Não porque seja fraco, mas porque está oprimido por uma realidade que exaure o corpo e a mente.

Filhos como Projeto de Vida ou Pressão Cultural?

É preciso também pensar sobre por que temos filhos. É uma escolha ou uma imposição cultural? A maternidade é, por vezes, apresentada como destino natural da mulher – o que desconsidera sua autonomia. Em muitas realidades, ter um filho é quase inevitável pela ausência de educação sexual, pela falta de acesso a métodos contraceptivos, pelo machismo que ainda impõe à mulher a responsabilidade reprodutiva.

Portanto, pensar no custo de um filho é também pensar no direito de não ter filhos – ou de tê-los quando, como e se a pessoa quiser.

O Estado e o Custo Compartilhado

Num mundo mais justo, o custo de uma criança não seria suportado apenas pela família. A educação, saúde, moradia, cultura e lazer deveriam ser garantidos como direitos coletivos. A infância é responsabilidade de todos – do Estado, da comunidade, das políticas públicas.

Países que compreendem isso investem pesadamente em creches gratuitas, licenças parentais remuneradas, auxílio financeiro para famílias com crianças, acesso universal à educação de qualidade, e cultura infantil pública.

No Brasil, mesmo com avanços pontuais, seguimos distantes de um modelo solidário. A maternidade e a paternidade ainda são penalizadas, não apoiadas.

Custo ou Investimento?

É comum ouvir que “ter um filho é um investimento”. Mas essa linguagem é problemática. Crianças não são empresas. Não devem ser tratadas como ativos financeiros. O que podemos dizer é que criar uma criança com afeto, dignidade e oportunidade é um ato revolucionário. É uma aposta no futuro. Mas, para que essa aposta seja possível, é preciso que os custos – financeiros, emocionais e sociais – sejam repartidos.

Conclusão: Uma Escolha que Exige Consciência Coletiva

O custo de ter um filho não é apenas individual. É coletivo. Reflete o modelo de sociedade em que vivemos. E é por isso que pensar sobre esse custo é, também, um ato político.

É preciso mudar a pergunta. Em vez de “Quanto custa ter um filho?”, talvez devêssemos perguntar:

“Por que o custo de ter um filho é tão desigual em nosso país?”

E, mais ainda:

“O que podemos fazer, juntos, para que toda criança tenha direito a nascer e crescer com dignidade?”

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