
Vivemos em tempos nos quais o bom uso dos recursos públicos deixou de ser apenas uma exigência técnica e passou a ser uma necessidade moral. O princípio da economicidade não é um conceito frio, restrito a gabinetes administrativos ou pareceres contábeis. Trata-se de um pilar essencial da gestão pública responsável, que exige compromisso ético com a coletividade. Neste artigo, mergulharemos profundamente nesse princípio, não apenas para entendê-lo do ponto de vista jurídico e administrativo, mas para refletirmos sobre seu papel na construção de uma sociedade mais justa, participativa e crítica.
Nosso ponto de partida é uma leitura libertadora: o conhecimento deve ser um instrumento de transformação. Por isso, não nos basta repetir definições; é preciso dialogar com elas, contextualizá-las, questioná-las. Convidamos você a caminhar conosco nessa jornada.
1. O que é o Princípio da Economicidade?
O princípio da economicidade pode ser definido como a exigência de que a administração pública utilize os recursos disponíveis — sejam eles financeiros, humanos, materiais ou temporais — da forma mais eficiente possível, buscando sempre o melhor resultado com o menor custo.
Diferente de um mero “corte de gastos”, economicidade implica planejamento, responsabilidade e visão de longo prazo. Significa evitar desperdícios, mas também investir com inteligência. Significa entender que o dinheiro público não é uma abstração, mas o fruto do esforço coletivo.
Por exemplo: uma escola pública que compra materiais mais baratos, mas que estragam em poucos meses, não está respeitando esse princípio. Um hospital que economiza em pessoal e sobrecarrega os profissionais, também não. Economicidade não é fazer o mínimo com o mínimo; é fazer o melhor com os recursos disponíveis.
2. As Bases Jurídicas do Princípio da Economicidade
O princípio da economicidade está previsto implicitamente na Constituição Federal de 1988 e aparece com força normativa na Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos) e na Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
Além disso, ele integra o conjunto dos princípios da administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A economicidade se relaciona diretamente com todos esses outros princípios, especialmente com a eficiência.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) também reforça esse princípio ao exigir planejamento, controle e transparência na gestão dos recursos públicos. Portanto, economicidade não é apenas uma “boa prática”: é uma obrigação legal e ética.
3. Eficiência x Economicidade: São a Mesma Coisa?
Muitos confundem economicidade com eficiência. Embora caminhem lado a lado, são conceitos distintos.
- Eficiência é fazer bem feito. É alcançar o resultado com qualidade e em tempo hábil.
- Economicidade é fazer bem feito gastando pouco, sem desperdício, respeitando a proporcionalidade custo-benefício.
Ou seja, a economicidade pressupõe eficiência, mas vai além: ela se preocupa com o custo do processo e com a sustentabilidade da ação. Não adianta ser eficiente se isso custa caro demais ao erário público.
4. A Importância do Princípio da Economicidade para a Sociedade
A economicidade está ligada diretamente à dignidade das pessoas. Recursos desperdiçados em obras superfaturadas, contratos desnecessários ou decisões mal planejadas são recursos que faltam em escolas, hospitais, saneamento básico.
A má gestão dos recursos públicos atinge sobretudo os mais pobres, que dependem diretamente dos serviços oferecidos pelo Estado. Por isso, a luta pela economicidade não é apenas técnica, mas social e política.
Questionar o uso do dinheiro público é um exercício de cidadania. É um direito e um dever. Uma população consciente não aceita promessas vazias, cobra resultados, exige clareza. E, principalmente, participa das decisões, pois entende que o Estado é de todos.
5. Exemplo de Aplicação da Economicidade
Vamos imaginar duas situações:
Caso A – Falta de economicidade:
Uma prefeitura decide reformar o ginásio esportivo da cidade. Sem estudos técnicos adequados, contrata uma empresa sem qualificação, que entrega a obra com vícios estruturais. Após seis meses, o ginásio precisa de nova reforma. O gasto público dobrou. O dinheiro foi desperdiçado.
Caso B – Com economicidade:
A mesma prefeitura, ao decidir reformar o ginásio, realiza estudo técnico, consulta a comunidade, abre licitação com critérios objetivos e contrata uma empresa qualificada. A obra é entregue com qualidade e durabilidade. O custo é menor no longo prazo. O recurso foi bem aplicado.
Essa diferença entre os dois casos é a expressão prática do princípio da economicidade.
6. Economicidade na Educação, Saúde e Infraestrutura
Na Educação
Aplicar a economicidade na educação pública não significa cortar investimentos, mas sim planejar melhor. Escolher livros didáticos de qualidade com bom custo-benefício, investir em formação continuada de professores em vez de terceirizar consultorias caríssimas, e evitar desperdícios em alimentação escolar.
Na Saúde
Na saúde pública, a economicidade pode se manifestar na compra de medicamentos por meio de consórcios, no uso racional de recursos hospitalares, e em sistemas integrados de informação que evitam exames repetidos.
Na Infraestrutura
Ao planejar obras públicas, aplicar o princípio da economicidade significa não só licitar com inteligência, mas também prever manutenções futuras, avaliar o impacto ambiental e dialogar com as comunidades afetadas. Não se trata de “economizar por economizar”, mas de investir com responsabilidade.
7. O Papel dos Tribunais de Contas
Os Tribunais de Contas (como o TCU e os TCEs) têm função essencial na fiscalização do cumprimento do princípio da economicidade. Eles avaliam não só a legalidade dos gastos, mas também a efetividade das políticas públicas.
Não basta que uma obra esteja formalmente correta; ela precisa ser útil, necessária, e custe o justo. Os órgãos de controle vêm avançando nessa análise de mérito, o que é positivo para a democracia.
8. A Dimensão Ética da Economicidade
Falar de economicidade é falar de ética pública. Não existe gestão pública eficiente sem honestidade, zelo e empatia. O bom gestor é aquele que entende que cada centavo gasto com responsabilidade se transforma em benefício para alguém: um aluno, um paciente, um agricultor, um trabalhador.
A verdadeira economicidade nasce quando a administração pública se reconhece como servidora da população, e não como dona do poder. Quando se coloca no lugar do outro e entende que gastar menos, com sabedoria, é um ato de respeito ao povo.
9. Educação Crítica e Participação Popular
Uma população crítica e educada é a melhor aliada da economicidade. Isso exige educação política desde cedo: saber ler o orçamento público, participar de audiências, acompanhar licitações. Não é um privilégio de especialistas; é um direito de todos.
A democratização da gestão pública passa pela democratização do conhecimento. Precisamos romper com o pensamento de que “isso é coisa de técnico”. A cidadania se constrói com consciência. E a consciência nasce do diálogo verdadeiro entre o saber técnico e o saber popular.
10. Caminhos para a Transformação
Para que o princípio da economicidade seja mais do que um enunciado jurídico, é necessário:
- Formar gestores públicos comprometidos com o bem comum.
- Fortalecer mecanismos de transparência ativa.
- Incentivar a participação social nas decisões orçamentárias.
- Ampliar a cultura de planejamento e avaliação de políticas públicas.
- Desenvolver práticas pedagógicas que ensinem finanças públicas de forma crítica.
Conclusão: A Economicidade como Prática de Liberdade
O princípio da economicidade não pode ser visto apenas como uma regra técnica. Ele é, antes de tudo, uma ferramenta de justiça social. Um compromisso com a dignidade humana. Um ato de respeito à coletividade. E, sobretudo, um convite à construção de uma nova consciência.
Aplicar a economicidade é ensinar e aprender, ao mesmo tempo. É um gesto político, pedagógico e transformador. Quando o povo entende o valor do recurso público, ele não permite que se gaste mal. E quando o Estado entende sua função social, ele aprende a gastar com sabedoria.
Neste contexto, a economicidade deixa de ser apenas um princípio legal. Torna-se um princípio de vida coletiva, de cooperação, de esperança ativa. Porque onde há respeito pelos recursos de todos, há espaço para o florescimento de uma sociedade mais justa e mais livre.