Brincando de Folclore

A infância é o tempo de descobrir o mundo pela brincadeira. É na leveza do riso, no correr descalço, no rodar da ciranda, que as crianças aprendem a viver em comunidade, a ouvir o outro e a expressar a si mesmas. A cultura popular, especialmente o folclore, é um tesouro ancestral que traz consigo jogos, brinquedos e brincadeiras que educam, encantam e transformam.

Neste artigo, refletimos sobre a potência educativa do folclore na Educação Infantil, por meio das brincadeiras tradicionais, respeitando a diversidade, promovendo o diálogo e valorizando a sabedoria do povo. Convidamos educadores, famílias e escolas a redescobrirem o valor do brincar como experiência de vida e de aprendizado.


1. O Folclore como Patrimônio Vivo na Educação Infantil

Folclore não é apenas lenda ou festa do dia 22 de agosto. É vida, é prática cotidiana. Está na comida, na música, na linguagem, no jeito de contar histórias e, claro, nas brincadeiras. Para a criança, o folclore não é conteúdo, mas vivência: ele se revela nos cantos de roda, nas parlendas, nas adivinhas e no faz de conta.

Na escola, trabalhar o folclore vai muito além de expor cartazes de personagens ou decorar o espaço com sacis e curupiras. É preciso convidar a criança a mergulhar na cultura de sua comunidade, compreendendo os sentidos e os significados que ela carrega. E isso acontece, especialmente, pelo brincar.


2. O Brincar como Linguagem da Infância

O brincar é a forma mais autêntica com que a criança se comunica. Ela não joga por competir, mas para explorar. Não brinca para passar tempo, mas para viver intensamente o agora. Quando brinca de roda, aprende a esperar sua vez; quando joga amarelinha, exercita a coordenação; quando canta uma parlenda, desenvolve a memória e a linguagem.

A brincadeira tradicional não ensina apenas regras. Ela ensina a respeitar o outro, a lidar com o erro, a tentar de novo. Em vez de um ensino que impõe, o brincar propõe, provoca e instiga. A brincadeira é uma pedagogia do afeto, da coletividade e da escuta.


3. Brincadeiras Tradicionais: Educação que Nasce do Povo

A cultura popular é fonte riquíssima de práticas pedagógicas. A seguir, destacamos algumas brincadeiras e jogos que podem ser resgatados na escola, com sugestões de como integrá-los às práticas pedagógicas:

3.1. Ciranda, Cirandinha

A roda é uma das estruturas mais poderosas de aprendizagem. Nela, todos são vistos, todos têm voz. A ciranda trabalha o ritmo, a oralidade e o senso de grupo. Pode ser adaptada com novas letras, permitindo que a turma crie suas próprias versões.

3.2. Pula Sela

Brincadeira de movimento, colaboração e coragem. Uma criança se curva e a outra salta por cima, enquanto se canta uma cantiga. Estimula o controle corporal, o respeito ao espaço do outro e a solidariedade.

3.3. Escravos de Jó

Uma brincadeira de ritmo e atenção, que ensina a trabalhar em grupo, respeitar o tempo do outro e manter a concentração. Pode ser feita com saquinhos de areia, pedrinhas ou tampinhas.

3.4. Cabo de Guerra

Além da força física, o jogo estimula o trabalho em equipe. Ideal para pensar estratégias, organizar grupos e conversar sobre vencer e perder.

3.5. Adivinhas e Parlendas

Atividades orais que estimulam a memória, a linguagem e a criatividade. São também formas de transmitir valores culturais e desenvolver a escuta atenta.

3.6. Peteca

Feita com materiais simples, como papel, grãos e penas, a peteca ensina coordenação motora, atenção e ritmo. Pode ser construída com a turma, unindo arte e movimento.


4. O Papel do Educador: Mediador Cultural e Instigador do Brincar

O educador que valoriza o folclore não transmite saberes prontos: ele escuta, propõe, observa. Ele compreende que a criança é sujeito ativo, criador de cultura, e não mero repetidor de tradições. Sua função é criar condições para que o brincar floresça com liberdade, sentido e pertencimento.

Promover o folclore na escola exige um olhar atento às origens das crianças, às suas famílias e comunidades. É importante abrir espaço para que os pequenos tragam suas brincadeiras, cantigas e histórias de casa. A escola não ensina cultura — ela dialoga com ela.


5. Jogos e Brinquedos como Ferramentas de Construção de Identidade

Ao brincar com brinquedos tradicionais — pião, ioiô, bilboquê, bonecas de pano — a criança acessa outras temporalidades e se conecta com memórias coletivas. Mais do que objetos, esses brinquedos carregam valores, afetos e modos de viver.

Além disso, muitos desses brinquedos podem ser construídos na própria escola, em projetos de arte, reciclagem ou tecnologia artesanal. Isso favorece a autonomia, a criatividade e o vínculo com os colegas.


6. Brincadeiras e Interculturalidade

Num país tão diverso quanto o Brasil, é fundamental que a escola valorize os diferentes sotaques, ritmos e tradições. Brincadeiras de origem africana, indígena e europeia convivem em nossas ruas e pátios.

Incluir o folclore de diferentes etnias na Educação Infantil é também lutar contra o preconceito, promover a equidade e celebrar a pluralidade cultural. É ensinar, desde cedo, que o Brasil é feito de muitos Brasis — e todos são valiosos.


7. Folclore e Educação Integral

A proposta de uma educação que desenvolva todas as dimensões da criança — emocional, física, social e cognitiva — encontra no folclore uma ferramenta completa. Ao brincar, a criança movimenta o corpo, elabora emoções, interage com os colegas e aprende conteúdos diversos.

Através das brincadeiras tradicionais, é possível trabalhar:

  • Linguagem oral e escrita (parlendas, cantigas, contação de histórias)
  • Matemática (jogos de regras, contagem, ordenação)
  • Ciências (observação da natureza, cultura alimentar)
  • Artes (construção de brinquedos, dramatização)
  • Educação física (movimento, coordenação, ritmo)
  • Valores humanos (respeito, cooperação, diversidade)

8. Propostas Pedagógicas para o Dia a Dia

A seguir, sugerimos algumas ideias práticas para integrar o folclore à rotina escolar:

Roda de Histórias Folclóricas

Convidar os avós das crianças para contar histórias de sua infância. Estimular que as crianças ilustrem ou recontam as histórias ouvidas.

Oficina de Brinquedos Artesanais

Com materiais recicláveis, construir brinquedos como bilboquê, vai-e-vem, pião e bonecas de pano.

Feira Cultural Infantil

Organizar uma feira com estandes de diferentes regiões do Brasil, com comidas, brincadeiras e danças típicas.

Brincadeira do Dia

Incluir na rotina um momento diário de jogo tradicional, respeitando a escolha das crianças.

Livro da Turma: “Brincadeiras que Aprendi”

Criar, ao longo do semestre, um livro coletivo com as brincadeiras favoritas da turma, ilustradas por eles.


9. Escuta e Participação Infantil

A escuta das crianças é o ponto de partida para qualquer prática significativa. Perguntar o que elas gostam de brincar, como brincam em casa, o que seus pais e avós brincavam. É a partir dessas vozes que o planejamento ganha alma.

A escola que valoriza o folclore é aquela que se abre ao novo sem desprezar o antigo, que acolhe a brincadeira não como perda de tempo, mas como linguagem sagrada da infância.


10. Conclusão: Brincar é Resistir, Ensinar e Cuidar

Resgatar o folclore na Educação Infantil é um gesto de resistência cultural. É afirmar que a cultura popular tem valor, que o saber do povo educa, transforma e encanta. É criar um espaço onde a criança possa crescer com raízes, reconhecendo a si mesma nos cantos e brincadeiras do seu povo.

É preciso que a escola não seja um lugar onde se mata o brincar, mas onde ele floresce, se reinventa e se perpetua. Que a criança tenha o direito de girar a ciranda, de soltar a peteca, de rir alto no esconde-esconde. Que ela possa brincar — e, brincando, aprender a ser.


📌 Referências para Educadores Interessados:

  • Catálogos de brincadeiras tradicionais
  • Vídeos de rodas e cantigas de diferentes regiões
  • Obras sobre cultura popular e educação
  • Projetos de educação patrimonial com crianças

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