
O socialismo, enquanto teoria e prática política-econômica, emerge como resposta às contradições inerentes ao capitalismo do século XIX. Inspirado pelas análises críticas de Karl Marx e Friedrich Engels, o socialismo propõe a reorganização das relações de produção e distribuição de riqueza, visando suplantar a exploração da classe trabalhadora e instaurar uma sociedade baseada na cooperação, na igualdade e na gestão democrática dos recursos. Este artigo, fundamentado nas principais obras de Marx e Engels, busca esclarecer o que é socialismo, delinear suas bases teóricas e apresentar um panorama histórico dos países que, em diferentes momentos, se autodenominaram “socialistas”.
1. Contexto Histórico das Obras de Marx e Engels
Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895) desenvolveram sua crítica ao capitalismo a partir de investigações profundas sobre as condições de vida da classe operária na Europa industrializada. Obras como O Manifesto Comunista (1848) e O Capital (1867–1894) marcaram a construção de uma teoria que visava explicar as leis de movimento do sistema capitalista e apontar seu fim histórico. Engels, colaborador indispensável de Marx, contribuiu com análises sociológicas e históricas em obras como A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), oferecendo subsídios para compreender a evolução das formações sociais.
2. Crítica ao Capitalismo
Para Marx e Engels, o capitalismo caracteriza-se pela produção de mercadorias, pelo trabalho assalariado e pela busca incessante de mais-valia – diferença entre o valor gerado pelo trabalhador e o salário que lhe é pago. Este sistema, ao concentrar a propriedade dos meios de produção nas mãos da burguesia, gera desigualdades profundas e crises periódicas.
- Alienação: Marx descreve a alienação do trabalhador em quatro dimensões — do produto do trabalho, do processo de trabalho, de sua própria essência humana e de seus semelhantes. No capitalismo, o trabalhador não se reconhece naquilo que produz, pois sua atividade serve ao lucro alheio e a regras que fogem ao seu controle (Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos, 1844).
- Mais-valia: Elemento central de O Capital, a mais-valia explica a origem do lucro: o capitalista paga ao trabalhador apenas uma fração do valor que este cria no processo produtivo, apropriando-se da diferença como excedente (Marx, O Capital, vol. I).
Essa crítica embasa a necessidade de romper com o modo de produção capitalista e instaurar um sistema onde a propriedade seja coletiva e o trabalho, livre de exploração.
3. O Conceito de Socialismo em Marx e Engels
No horizonte marxista, o socialismo representa a primeira etapa da sociedade comunista. Enquanto o comunismo pleno corresponde a uma fase superior de abundância e gestão voluntária, o socialismo ainda conserva características transicionais:
- Propriedade coletiva: Os meios de produção (fábricas, terras, recursos naturais) deixam de pertencer a indivíduos ou grupos privados e passam a ser possuídos pela sociedade organizada, frequentemente através do Estado operário.
- Planejamento democrático: O planejamento econômico substitui a anarquia da produção mercantil, buscando atender às necessidades sociais em vez de acumular capital.
- Supressão das classes: A divisão entre proletariado e burguesia tende a desaparecer à medida que a exploração cessa e as diferenças de renda se reduzem.
- Distribuição segundo o trabalho: No socialismo “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo seu trabalho”, contrastando com a distribuição estritamente igualitária que se anuncia para a fase comunista, “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” (Engels, Crítica do Programa de Gotha, 1875).
4. A Ditadura do Proletariado
Para Marx e Engels, a transição do capitalismo para o comunismo requer uma fase de ruptura violenta e de controle político operário, denominada “ditadura do proletariado”. Esse conceito, muitas vezes mal compreendido, não visa instaurar uma nova tirania, mas sim criar um instrumento de classe capaz de:
- Defender as conquistas revolucionárias contra tentativas de restauração capitalista.
- Expropriar os ex-proprietários privados dos meios de produção.
- Desmantelar as instituições burguesas (exército, polícia, aparelho judiciário) e reorganizá-las sob controle popular.
A “ditadura” é, assim, a forma de governo em que a maioria trabalhadora exerce poder político para garantir a realização do socialismo. Sua duração e características dependem das condições históricas e do nível de consciência da classe trabalhadora.
5. Socialismo e Transição ao Comunismo
Marx concebia o socialismo como etapa necessária, mas não suficiente, para a realização do comunismo. Enquanto no socialismo persiste alguma forma de Estado e distribuição conforme o trabalho, no comunismo pleno:
- O Estado “murcha”: As funções repressivas e administrativas do Estado perdem razão de ser, pois desaparecem as classes sociais.
- Administração livre: A sociedade se autorregula por meio de associações livres de produtores.
- Distribuição conforme a necessidade: O princípio supremo torna-se “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”, uma vez que a abundância torna-se possível (Marx, Crítica do Programa de Gotha).
Essa visão dialética aponta para um processo histórico de superação progressiva de formas de dominação.
6. Experiências Históricas de Países Socialistas
Diversos países declararam-se “socialistas” ao longo do século XX, com base na teoria marxista-leninista, inspirada em Marx e Engels mas adaptada por Lenin, Stálin e outros. Abaixo, apresenta-se uma visão sintética das principais experiências:
- União Soviética (1917–1991)
A Revolução de Outubro de 1917, liderada por Lenin, implementou a nacionalização dos meios de produção e criou o Estado dos sovietes. Sob Stálin, a industrialização acelerada e a coletivização forçada da agricultura consolidaram um modelo de “socialismo em um só país”. Contudo, o regime estalinista também foi marcado por autoritarismo e burocratização. - República Popular da China (1949–)
Após a vitória de Mao Zedong em 1949, a China adotou medidas como a reforma agrária e a coletivização. A partir de 1978, com Deng Xiaoping, iniciou-se a “reforma” do socialismo de mercado, combinando propriedade estatal com incentivos de mercado, o que gerou rápido crescimento econômico, mas também desigualdades crescentes. - República de Cuba (1959–)
A Revolução Cubana instalou um regime socialista liderado por Fidel Castro. Nacionalizações e reforma agrária promoveram avanços em saúde e educação, mas também reprimiram dissidências e enfrentaram bloqueio econômico dos EUA. A transição pós-Fidel incluiu certa abertura limitada, mas o Partido Comunista permanece hegemônico. - República Socialista do Vietnã (1976–)
Unificado em 1976, o Vietnã promoveu coletivização e controle estatal. A partir de 1986, o “Đổi Mới” introduziu reformas de mercado semelhantes às chinesas, mas o Partido Comunista mantém o monopólio político. - República Democrática Popular da Coreia (1953–)
A Coreia do Norte construiu uma sociedade fortemente centralizada, guiada pelo juche (autossuficiência) e liderada pela dinastia Kim. O isolamento internacional e a centralidade do partido único caracterizam seu modelo. - República Popular Democrática do Laos (1975–)
Sob liderança do Partido Revolucionário do Povo do Laos, o país adotou nacionalizações e planejamento central, mas na virada do século iniciou-se a abertura econômica, ainda que com manutenção do partido único. - Outros casos
- República Árabe da Síria e República Bolivariana da Venezuela declaram-se socialistas em diferentes graus, mas combinam elementos de mercado e de centralização estatal, sem experimentar uma transição completa ao socialismo marxista clássico.
- Estados do Leste Europeu (1945–1991) — Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental — estabeleceram regimes de partido único e economia planificada, colapsando junto com a URSS.
Cada experiência revela adaptações locais, tensões entre planejamento e mercado, avanços sociais e desafios de burocratização e autoritarismo.
7. Divergências e Debates Internos
Embora exista um núcleo teórico marxista, surgiram correntes divergentes:
- Marxismo-leninismo: Fundamento dos regimes soviético e aliados, enfatiza o partido vanguardista e a ditadura do proletariado.
- Maoísmo: Acentua a revolução camponesa e a luta contínua contra a burocracia.
- Trotskismo: Defende a revolução permanente e critica o stalinismo como degeneração burocrática.
- Eurocomunismo: Movimento ocidental que buscou compatibilizar socialismo com democracia parlamentar.
- Marxismo ocidental e pós-marxismo: Reinterpretam Marx à luz de novas realidades sociais, culturais e identitárias.
Esses debates mostram que o socialismo não é monolítico, mas uma tradição em constante reavaliação.
8. Legado e Perspectivas Futuras
À luz das crises ecológicas e das novas formas de precarização do trabalho, a teoria marxista de socialismo continua relevante. Autores contemporâneos exploram:
- Socialismo ecológico: União entre justiça social e sustentabilidade ambiental.
- Economia do cuidado: Revalorização de tarefas domésticas e de cuidado, historicamente invisibilizadas.
- Democracia participativa: Ampliação do controle popular sobre o orçamento e as decisões econômicas.
- Tecnologia e trabalho: Desafios da automação e oportunidades para reduzir a jornada laboral.
O socialismo, em sua essência, permanece como horizonte de superação das desigualdades e da exploração, convidando à construção coletiva de um mundo mais justo.
Conclusão
Baseado nas reflexões de Karl Marx e Friedrich Engels, o socialismo se configura como etapa histórica de transição entre o capitalismo e o comunismo, marcada pela propriedade coletiva, pelo planejamento democrático e pela supressão das classes exploradoras. As experiências dos países socialistas, desde a União Soviética até a China, Cuba e Vietnã, demonstram tanto conquistas sociais importantes quanto os riscos de autoritarismo e burocratização. Os debates internos e as novas correntes renovam o marxismo, adaptando-o aos desafios contemporâneos. Ainda hoje, o socialismo inspira movimentos sociais e intelectuais a repensar o papel do Estado, do mercado e da solidariedade na construção de uma sociedade verdadeiramente emancipatória.